Este post traz o prefácio do célebre livro de J. C. Ryle, Santidade – sem a qual ninguém verá o Senhor, publicado pela Editora Fiel.
Quanto mais envelheço, mais me convenço de que a verdadeira prática da santidade não recebe a atenção que merece e que, lamentavelmente, existe um padrão de vida cristã muito baixo entre muitos mestres ilustres da religião em nosso país. Ao mesmo tempo, estou cada vez mais convencido de que o esforço zeloso de algumas pessoas bem-intencionadas em promover padrões mais elevados de vida espiritual não é feito “com entendimento” e provavelmente causa mais dano do que benefício. Deixe-me explicar o que quero dizer.
É fácil reunir multidões para os chamados encontros de “vida elevada” ou “consagração”. Qualquer um que tenha observado a natureza humana, tenha lido as descrições dos acampamentos americanos e estudado o curioso fenômeno das “afeições religiosas” sabe disso. Discursos sensacionais e empolgantes de pregadores estranhos ou de mulheres, música alta, salões quentes, barracas lotadas, rostos com a expressão de fortes sentimentos semi-religiosos durante vários dias, dormir tarde da noite, reuniões demoradas, confissão pública de experiências — todas essas coisas juntas são bem interessantes e parecem benéficas. Mas será que esse benefício é real, tem raízes profundas, é sólido e duradouro? Essa é a questão, e gostaria de fazer algumas perguntas em relação a isso.
Aqueles que freqüentam esses encontros transformam-se em pessoas mais santas, mais humildes, mais altruístas, mais bondosas, mais calmas, mais abnegadas e mais semelhantes a Cristo em seus lares? Tornam-se mais contentes com a sua própria posição econômica e ficam mais livres dos desejos impacientes de obter coisas diferentes daquelas que Deus lhes tem dado? Seus pais, mães, maridos, parentes e amigos percebem que eles estão se tornando mais agradáveis e mais fáceis de lidar? Essas pessoas conseguem desfrutar de um domingo tranqüilo e dos meios tranqüilos da graça, sem barulho, emoções intensas ou agitação? E, acima de tudo, estão crescendo no amor, especialmente no amor para com aqueles que não concordam com eles em cada pormenor de sua religião?
Estas são perguntas sérias e perscrutadoras e merecem ser consideradas com seriedade. Espero estar tão ansioso para promover a santidade prática quanto qualquer outro neste país. Admiro e reconheço, de boa vontade, o zelo e a seriedade de muitos, com os quais não posso cooperar, que estão tentando promover a santidade. Mas não posso negar minha crescente suspeita de que esses grandes “movimentos de massa” do momento, apesar do objetivo aparente de promover a vida espiritual, não tendem a promover a religião em casa, a leitura pessoal da Bíblia, a oração pessoal, a aplicação particular da Bíblia e um caminhar pessoal e diário com Deus. Se eles possuem algum valor real, deveriam levar as pessoas a serem melhores maridos e esposas, melhores pais e mães, melhores filhos e filhas, melhores irmãos e irmãs, melhores patrões e patroas e melhores empregados. Entretanto, gostaria de provas evidentes de que eles têm feito isso. Só sei que é bem mais fácil ser cristão em um recinto bíblico em meio às canções, às orações e a outros cristãos simpáticos, do que ser um cristão consistente em um lar sem harmonia, sem diálogo, afastado da cidade e longe de recursos. No primeiro caso, temos as disposições naturais a nosso favor, no segundo, não podemos ser crentes comprometidos sem a graça de Deus. Infelizmente, muitos dos que hoje em dia falam sobre “consagração” parecem ignorar os princípios elementares dos oráculos de Deus sobre a “conversão”.
Encerro este prefácio com o triste sentimento de que muitos daqueles que o lerem, provavelmente, não concordarão comigo. Compreendo que os grandes ajuntamentos do chamado movimento de “vida espiritual” são muito atraentes, especialmente para os jovens. Estes, naturalmente gostam de fervor, agitação e entusiasmo; eles perguntam: “Que mal há nisso?” É preciso aceitar que existem opiniões diferentes. Quando eu era jovem como eles, talvez pensasse da mesma maneira. Quando eles forem velhos como eu, é provável que concordem comigo. Concluo dizendo a cada um de meus leitores: exercitemos o amor ao julgarmos uns aos outros. Em relação àqueles que pensam que a santidade deve ser promovida a partir do chamado movimento “de vida espiritual” moderno, não tenho outro sentimento, senão amor. Se eles trouxerem algum benefício ficarei grato. Em relação a mim mesmo e àqueles que concordam comigo, peço-lhes que retribuam os opositores com amor. O último dia nos dirá quem está certo e quem está errado. Por enquanto, estou bem certo de que demonstrar amargura e frieza em relação àqueles que, por motivo de consciência, recusam-se a trabalhar conosco é provar que somos ignorantes na questão da santidade verdadeira.
J. C. Ryle
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