domingo, 3 de novembro de 2013

OS SUPER-ANÔNIMOS


Nessas andanças pelo meio do mundo como cantor, já visitei muitas igrejas, participei de muitos eventos e de todos os tipos: beneficentes, evangelísticos, político-religiosos, essencialmente lucrativos etc. Me acostumei a ver grandes pregadores convidados que, como eu, estavam ali porque alguém pagou a conta. Ouvi pregações e discursos fantásticos! Grandes demonstrações de conhecimento bíblico; outros eram oradores que cativam as platéias com frases de efeito, gestos engraçados, até anedotas vi sendo usadas, me fazendo crer que tudo era válido para agradar o público e vender desde CD, DVDs , livros, ou simplesmente uma imagem de eficiência.

O resultado desses eventos quase sempre é positivo. Neles, muitas pessoas adquirem um conhecimento mais claro de Deus, da fé dos crentes, da música dos crentes, então dezenas, centenas ou milhares de novos crentes surgem desses eventos, por causa da performance quase circense de alguns desses oradores, cantores, enfim, os “astros” desses eventos.
Mas cada vez que eu vejo esses eventos acontecerem, e centenas de pessoas se dirigindo à frente atendendo um apelo de entregar sua vida a Jesus, eu lembro de quando eu era menino - ainda sem noção nenhuma acerca da graça da liberdade de voar que Deus dedicou às aves - e  insistia para que meu pai me comprasse um canário na feira. O passarinho era muito caro, e meu pai, na época, pensava como eu penso hoje: pássaros foram feitos para voar livremente. Ocorre que um dia, um dos meus tios, percebendo meu interesse, me presenteou com um canário. Fiquei muito feliz com meu tio. Ele me deu o canário, e foi embora. Ali terminou sua parte. A responsabilidade de cuidar era minha.

Agora, lá estava eu com aquela gaiola terrível e aquela avezinha aprisionada. Ele cantando de tristeza e eu achando que ele estava cantando porque gostava de mim!
Em minha família não tínhamos dinheiro sobrando, vivíamos com muita dificuldade, e cada centavo tinha seu lugar no orçamento da família formada por 6 pessoas com apenas um provedor para dar conta de tudo.

Com aquele canário, logo começou a trabalheira: tinha que comprar alpiste! Tinha que limpar a gaiola todos os dias prá não ouvir as broncas da minha mãe dizendo que aquilo chamava mosquito! Tinha que varrer a sujeira das casquinhas de alpiste que o canário espalhava! e etc etc. Certa vez, cheguei da escola e fui botar o alpiste do canário, quando percebi que a lata estava vazia. Ninguém tinha dinheiro pra me emprestar, meu pai só chegaria no dia seguinte. Então fui até a casa do meu avô, num bairro distante, andando quase 10 quilômetros debaixo de um sol a pino para conseguir pegar com ele alguns trocados pra voltar a tempo de achar a lojinha de ração aberta. Em suma: trazer o canário pra casa, foi a parte mais fácil: o difícil estava sendo CUIDAR do canário! Essa é a parte difícil. Mas um dia, depois de ouvir muita bronca de meu pai, porque não estava dando conta de cuidar do canário, levei o canário para a fazenda do meu avô e lá devolvi o bichinho para a mata.
Certamente os leitores mais perspicazes já perceberam do que trata o que escrevo.

Em suma: é fácil para o “astro” falar bonito, cantar bem, convencer os incrédulos a levantarem a mão e receberem a Jesus. Mas... quem cuidará deles depois que o “astro” for embora?
É nesse ponto que está a grande injustiça que cometemos em supervalorizar os famosos, que nos cativam e vão embora, seguindo seu caminho, como o meu tio que me deu o canário e foi embora, os "astros" nos comovem com suas belas mensagens, as inúmeras conversões e logo vão embora, e simplesmente ignoramos o trabalho árduo e difícil dos anônimos que terão que manter os frutos desses eventos. Essa é a parte difícil!

Por isso fiquei muito feliz no último evento em Santarém, interior do Estado do Pará, dia 27 de janeiro de 2012. Era aniversário de 50 anos do Pr. Jaime Pires (Assembléia de Deus de Santarém). Fui convidado mas não estava sendo divulgada minha presença na cidade, porque seria uma surpresa ao pastor. Também não havia nenhum pregador famoso convidado. Por esse motivo, havia um temor de que pouca gente comparecesse ao espaçoso clube alugado para o evento.
Para nossa feliz surpresa, a casa encheu! Pessoas que simplesmente reconheceram o trabalho eficaz daquele homem de Deus lotaram o lugar, porque desejaram prestigiá-lo. Seus amigos estavam lá, seus filhos e esposa o homenagearam. Foi um evento lindo!  Minha participação foi apenas uma singela surpresa para o aniversariante, e não o motivo central da festa.  Era uma justa homenagem para um servo anônimo, que faz bem a sua parte regando com excelência aquilo que os astros plantam e depois vão embora sem nem se importar se alguém perpetuará o trabalho iniciado. O Pr. Jaime faz com amor e eficiência a sua parte como apascentador de ovelhas, cuidador do rebanho, mesmo sem aparecer na mídia, como milhares de outros heróis anônimos pelo mundo afora, "porque regar as plantas não dá ibobe" (palavras do Aderson, amigo que me agraciou com um passeio em sua bela caminhonete até o balneário Alter do Chão e Pontas de Pedra, lugares maravilhosos de Santarém). 

Tomara que as igrejas no Brasil inteiro comecem a despertar para o trabalho anônimo e silencioso desses homens fantásticos, pastores de verdade, apascentadores de ovelhas, cuja importância muitas vezes é injustamente despercebida, mas sem eles, todo o trabalho que os “astros” fazem seria em vão.

São pastores “anônimos” porque não estão na mídia, não são estrelas reconhecidas nas ruas e nas tvs e telas de internet, mas sem eles nossa fé estaria desgovernada. Não percamos uma chance sequer de lhes prestar uma justa homenagem, desde a mais singela, um abraço, um presente, ou até sempre que possível uma grande festa como esta que vi em Santarém. Eles é que merecem toda a atenção, que estamos muitas vezes  dirigindo às pessoas erradas.

Fonte: Blog Cantor Sergio Lopes

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